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Quando a IA assume um crachá no time de inovação: o que muda de verdade na empresa e no ecossistema

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Foto: divulgação

Durante anos, a cena da inovação corporativa foi quase sempre a mesma: salas com post-its coloridos, workshops de design thinking, apresentações bem produzidas e, na prática, poucos projetos transformadores chegando ao mercado. Agora, um novo personagem entra em cena e muda o roteiro de forma silenciosa, mas profunda. A inteligência artificial deixa de ser apenas uma tecnologia promissora para se tornar a infraestrutura cognitiva que sustenta a maneira como as empresas pensam, testam e escalam suas apostas de futuro.

Em vez de servir apenas para automatizar tarefas e cortar custos, a IA passa a redesenhar o próprio processo de inovar. Ela observa dados, conecta pontos, sugere hipóteses, monta experimentos, cria protótipos, simula cenários, identifica parceiros estratégicos e ajuda a gerir riscos em tempo quase real. Isso vale tanto para a inovação que acontece dentro de casa, em laboratórios e squads, quanto para a inovação aberta, que envolve startups, universidades, hubs, fundos de investimento e uma rede de atores com interesses e velocidades diferentes.

Nesse novo contexto, duas figuras se tornam centrais: os agentes de IA e os copilotos. Eles são mais que nomes da moda. Representam tipologias distintas de aplicação da inteligência artificial nos fluxos de inovação e, principalmente, mudam a forma como humanos, algoritmos e ecossistemas trabalham juntos. Entender o papel dessas modalidades, e integrá-las a uma estratégia clara de inovação corporativa e de inovação aberta, é o que vai diferenciar empresas que apenas “usam IA” daquelas que realmente tornam a IA um motor contínuo de vantagem competitiva.

IA mudando o chão de fábrica da inovação

A primeira transformação acontece na inovação corporativa tradicional, aquela que já existia antes da febre da IA generativa. Durante muito tempo, a identificação de oportunidades dependia de pesquisas demoradas, relatórios de consultorias e da intuição de poucas lideranças. Com a inteligência artificial, a empresa passa a operar com um radar permanente que varre dados de mercado, comportamento de clientes, movimentos de concorrentes e tendências tecnológicas. A inovação deixa de ser um evento pontual e passa a funcionar como um sistema, alimentado de forma contínua por informação qualificada.

Uma modalidade importante é a IA analítica, que atua como um microscópio de dados para a inovação. Modelos preditivos, sistemas de recomendação e algoritmos de detecção de padrões cruzam bases internas e externas para apontar espaços em branco, riscos emergentes e oportunidades de novos produtos, serviços ou modelos de negócio. Em vez de gastar semanas produzindo um estudo de viabilidade, o time de inovação consegue simular cenários, testar hipóteses, estimar impactos financeiros e priorizar o que merece virar experimento de verdade.

A IA generativa entra como um estúdio de prototipagem sempre disponível, acelerando a etapa em que muitas ideias morrem por falta de tempo ou de recursos. A partir de uma descrição de conceito, é possível obter propostas de jornadas de usuário, interfaces de produto, scripts de vídeo, fluxos de chatbot, testes A B, experimentos de precificação e até códigos iniciais de uma solução digital. Essa modalidade muda a lógica do funil: se antes a empresa testava poucas ideias por limitação de capacidade, agora consegue testar muito mais hipóteses com menos esforço, aumentando as chances de encontrar apostas realmente vencedoras.

Copilotos: a extensão cognitiva dos times

Os copilotos de IA são talvez a face mais visível dessa transformação para quem está no dia a dia da inovação. Diferente dos velhos assistentes digitais restritos a comandos simples, os copilotos operam como uma segunda cabeça ao lado de cada profissional. Eles entendem contexto, acessam documentos, combinam fontes e ajudam em tarefas de análise, redação, planejamento, pesquisa e até programação. O que muda não é só a velocidade, mas a qualidade das perguntas e respostas que circulam na organização.

Podemos falar em duas grandes tipologias de copilotos no contexto da inovação. De um lado, os copilotos horizontais, treinados para apoiar qualquer tarefa de conhecimento genérica, como estruturar apresentações, resumir relatórios, comparar alternativas, traduzir informações técnicas ou gerar narrativas para vender um projeto internamente. De outro, os copilotos de domínio, ajustados a áreas específicas como inovação, P D, jurídico, marketing ou M A. Esses copilotos conhecem o vocabulário, os riscos, os processos e os casos de uso daquela área, oferecendo suporte muito mais preciso e útil para quem precisa tomar decisões complexas.

Isso significa que um analista de inovação passa a trabalhar com um copiloto que organiza o histórico de projetos, cruza aprendizados passados, sugere perguntas críticas para entrevistas com clientes e ajuda a montar business cases mais robustos. Um gerente de P D utiliza um copiloto que lê artigos científicos, compara patentes, identifica combinações de tecnologias e propõe variações de produto. Um time responsável por corporate venture conta com um copiloto que analisa decks de startups, identifica sinais de risco, sugere benchmarks e estrutura narrativas para levar oportunidades ao comitê de investimento. Em todos esses casos, a unidade básica não é mais apenas “uma pessoa”, mas “uma pessoa mais um copiloto”.

Agentes de IA são a força de trabalho digital da inovação aberta

Se os copilotos ampliam a capacidade cognitiva de indivíduos, os agentes de IA atuam como uma espécie de força de trabalho digital da inovação. Eles não se limitam a responder perguntas, mas executam cadeias de tarefas, acionam ferramentas, interagem com sistemas e tomam decisões operacionais dentro de limites bem definidos. Essa tipologia é especialmente poderosa em ambientes complexos como os programas de inovação aberta, em que há excesso de informação, muitos atores envolvidos e uma enorme quantidade de tarefas repetitivas.

Imagine um agente de IA programado para atuar como scout de inovação. Ele pode monitorar bases de startups, portfólios de fundos, registros de patentes, editais públicos, notícias de tecnologia e redes profissionais. A partir de desafios estratégicos cadastrados pela empresa, esse agente identifica soluções candidatas, classifica por grau de aderência, estágio de maturidade, risco regulatório e sinergia com o legado tecnológico. Em vez de o gestor de inovação analisar centenas de apresentações manualmente, passa a trabalhar com um funil muito mais filtrado, onde o café, a reunião e o piloto são investidos nos casos com maior potencial real.

Agentes também podem assumir o papel de curadores e orquestradores em programas de inovação aberta. Eles ajudam a formular melhor os desafios, evitando descrições genéricas demais, detectam temas duplicados, sugerem áreas de foco e fazem o matching entre problemas da empresa e atores do ecossistema com maior probabilidade de sucesso. Além disso, acompanham indicadores de cada piloto, monitoram NPS, adoção, impacto em receita ou redução de custo, risco de dependência tecnológica e feedback dos times internos. Com isso, a gestão do portfólio de inovação aberta deixa de ser uma coleção de iniciativas soltas e passa a funcionar como um sistema vivo, guiado por dados.

O stack de IA para inovar em ecossistema

Quando se olha de cima, começa a ficar claro que a IA na inovação não é apenas um conjunto de ferramentas isoladas, mas um verdadeiro stack. Na base, estão as plataformas que garantem segurança, governança, monitoramento e integração com sistemas legados. Sobre elas, operam os modelos que alimentam copilotos horizontais e copilotos de domínio, atendendo desde o analista que monta um relatório até o executivo que precisa tomar decisões de portfólio. No topo, entram os agentes autônomos, capazes de acionar APIs, sistemas internos e serviços externos para executar fluxos de ponta a ponta, da identificação de oportunidade até o acompanhamento de resultados.

Essa arquitetura traz benefícios claros, mas também exige responsabilidade. Em inovação aberta, onde dados sensíveis circulam entre empresa, startups e parceiros, é fundamental definir fronteiras nítidas. Que tipo de dado um agente pode acessar. O que precisa ser anonimizado antes de ser usado em modelos. Quais logs devem ser armazenados para fins de auditoria. Como evitar que um agente de scouting, treinado em fontes enviesadas por região ou setor, acabe reproduzindo esses vieses na seleção de parceiros. A IA não elimina os preconceitos humanos, apenas os escala com mais eficiência se ninguém estiver prestando atenção.

O futuro e a liderança

Nesse cenário, o papel das lideranças de inovação ganha uma nova camada. Já não basta montar programas e escolher desafios interessantes. É preciso desenhar como agentes e copilotos se inserem no funil de inovação, em que etapas agregam mais valor, quais decisões continuam sob responsabilidade exclusivamente humana e quais podem ser automatizadas com supervisão. Também é necessário investir em novas competências nos times, como a habilidade de formular boas perguntas, interpretar respostas de modelos, questionar recomendações de agentes e balancear intuição com evidências geradas por IA.

O resultado mais profundo dessa transformação é uma redistribuição do tempo e da energia dos profissionais envolvidos com inovação. Tarefas antes exaustivas, como consolidar relatórios, montar apresentações, ler centenas de documentos ou analisar manualmente informações de mercados distintos, passam a ser delegadas a copilotos e agentes. Com isso, sobra espaço para o trabalho que realmente importa: definir problemas relevantes, negociar com stakeholders internos, construir confiança com parceiros externos, fazer escolhas difíceis sobre alocação de recursos e aprender com os erros ao longo do caminho.

Mais do que perguntar se a empresa já está usando inteligência artificial, a questão passa a ser de que forma ela está integrando IA aos seus modelos de inovação corporativa e de inovação aberta. Há organizações que se limitam a pilotos pontuais, desconectados da estratégia, enquanto outras começam a construir sistemas em que cada pessoa trabalha acompanhada de um copiloto e cada programa é apoiado por agentes que cuidam do trabalho pesado em segundo plano. Essa diferença de maturidade tende a se traduzir em competitividade nos próximos anos.

Para quem lidera ou participa de iniciativas de inovação, o convite é claro. Vale mapear hoje onde a IA pode atuar em cada etapa do funil, da ideação à escala, passando por priorização, prototipagem, testes, conexão com parceiros e rollout. A partir desse mapa, é possível definir uma arquitetura mínima de copilotos e agentes, estabelecer regras de governança, ajustar indicadores e, principalmente, começar pequeno, mas com intenção estratégica. A transformação não acontece de uma vez, mas começa pela decisão de tratar a IA como parte estrutural do sistema de inovação, e não como uma curiosidade tecnológica.

No fim das contas, a inteligência artificial não vem para roubar o protagonismo humano na inovação, e sim para mudar o palco onde esse protagonismo se manifesta. Ao liberar as equipes do trabalho repetitivo e de baixa densidade criativa, ela abre espaço para que as pessoas façam aquilo que nenhum modelo faz bem: imaginar futuros desejáveis, construir acordos entre interesses divergentes, tomar decisões sob incerteza e assumir responsabilidade por escolhas que impactam negócios, pessoas e sociedade.

A vantagem competitiva, daqui para frente, não estará em simplesmente ter acesso à IA, mas em ser capaz de orquestrar humanos, copilotos, agentes e ecossistemas na mesma cadência. Empresas que entenderem essa lógica antes das demais tendem a inovar mais rápido, com mais profundidade e com menos desperdício, tanto na inovação corporativa quanto na inovação aberta. É esse alinhamento entre tecnologia, estratégia e comportamento que transforma inteligência artificial em inteligência organizacional.

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CEO da Drin Inovação, TEDx speaker, mentor, conselheiro e Linkedin TOP Voice.

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