De acordo com estudo da Distrito, o volume investido em startups em estágios iniciais cresceu no primeiro semestre. As rodadas do tipo seed saltaram de US$ 151 milhões no ano passado para US$ 282 milhões neste ano.
A tão falada queda que ajudou a cunhar o termo “inverno das startups” se concentrou naquelas em estágio avançado de crescimento. Na comparação anual, o montante desse grupo caiu de US$ 3,87 bilhões para US$ 1,24 bilhão.
Para João Kepler, CEO e fundador da Bossanova Investimentos, o impacto não tão forte nas early stage se deve ao estágio de amadurecimento do negócio, de validação e escalabilidade do produto:
“As startups crescendo estão se preocupando com o controle, governança e organização. Tem fundo captado precisando fazer bons investimentos, mas ter sucesso, neste momento, depende mais do planejamento do empreendedor do que do fundo. Agora é a hora de encontrar os bons empreendedores, porque essa crise é um freio de arrumação muito importante. Nunca tivemos um momento tão bom para voltar aos princípios de se empreender ou de se investir”.
Fernando Trota, co-fundador e CEO da Triven, empresa pioneira de serviços de backoffice, concorda que, apesar da apreensão que o momento causa, o setor de inovação e tecnologia passa por um processo de amadurecimento. Assim, é preciso redobrar a atenção ao planejamento:
“É necessário saber onde gastar e qual é a forma correta para obter resultados. Não adianta ter muito dinheiro para usar sem prever o que aquele investimento vai trazer de retorno. Pode ser preciso dar um passo atrás, resetando múltiplos e posições, pois o mesmo dinheiro precisa render muito mais. É urgente a necessidade de calcular e entender o real uso do recurso para fins de crescimento da startup”.
Ele acredita ainda que os gestores devem olhar para cada projeto, e, a cada passo dado, deve-se considerar o conceito de “custo produtivo”, gastando somente no que vai gerar receitas a curto e médio prazo.
“Em relação à captação de recursos, é necessário estar atento não somente ao valuation, mas também aos termos estabelecidos durante a rodada de investimento, que devem ser interessantes para a startup, evitando situações de liquidation preference com múltiplos atrelados, com travas e vetos que possam vir a prejudicar a empresa no futuro”, complementa.
COMO CRIAR UMA ROTA DE CRESCIMENTO SUSTENTÁVEL
Não são só os especialistas em investimentos e finanças que veem o atual momento como uma janela de oportunidades: CEOs e fundadores de startups que seguiram crescendo ao longo do ano concordam.
“Negócios muito disruptivos e com altíssimas taxas de crescimento normalmente são mantidos apenas com muito investimento, pois não geram caixa no início das operações”, comenta Mário Verdi, CEO e fundador da Deskbee.
O empresário relata como se deu o caso específico da Deskbee:
“Começamos com muita dificuldade e demoramos para encontrar o chamado ‘product-market-fit’, ou o produto certo para um bom mercado, então acabamos aprendendo a viver sem água. Daí vem a expressão das startups camelo: conseguem se manter com recursos próprios ou de amigos, investidores-anjo, etc. Mas isso tem um preço: se você não tem investimento e acessa capital cedendo equity no início, você entrega uma fatia muito significativa da empresa para terceiros. E aí pode acabar inviabilizando os próximos passos. Isso aconteceu conosco. Tivemos que pegar boa parte de nosso caixa e de novos investimentos com valuations melhores, para recomprar a participação de sócios iniciais, que já não tinham mais sinergia com o negócio”.
A virada aconteceu quando, em 2019, a Deskbee lançou uma plataforma voltada especialmente para a gestão do modelo de trabalho híbrido, visualizado por eles como uma tendência que se consolidaria ao longo dos próximos 5 anos.
A pandemia, porém, antecipou a tendência: a base de clientes da startup cresceu 1.000% entre 2020 e 2021. Hoje, a empresa tem mais de 350 clientes corporativos, cerca de 250 mil colaboradores cadastrados na plataforma, e está presente, por meio de seus clientes multinacionais, em 20 países além do Brasil.
ESTAR SEMPRE NA VANGUARDA DO MERCADO E CRESCER COM QUALIDADE
Atuando no segmento de franchising, a retail tech Yungas vem crescendo mensalmente desde a sua fundação, em 2018: o único mês em que a startup viu uma queda no crescimento foi em abril de 2020, com as renegociações de contratos forçadas pela pandemia.
Dali em diante, porém, a empresa, que tem uma plataforma de gestão e comunicação para grandes redes de franquias, voltou a crescer, de forma constante e gradual.
A velocidade do aumento mensal inclusive aumentou neste ano, após aporte do SMZTO, maior grupo de investimentos em franquias do Brasil.
“Crescemos em média 8% de um mês para o outro. Em alguns meses chegamos a 15%. Para nós, mais importante que focarmos 100% na velocidade, é conseguirmos crescer com qualidade. Como nascemos bootstrapping, o modelo ‘triple, triple, double, double, double’ sempre ficou fora da nossa realidade. Optamos por crescer com as próprias pernas nos primeiros anos, então foi natural um crescimento mais orgânico; sem burn rate, e com capital próprio”, conta o CEO e co-fundador, Guilherme Reitz.
A CashWay, techfin que oferece soluções Banking as a Service focadas em atender as demandas de instituições financeiras e de pagamento, lista entre suas estratégias para manter o crescimento sustentável em meio ao cenário desafiador a valorização de parcerias e a incorporação constante das principais inovações do mercado: no primeiro semestre, a startup cresceu 40%, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Para o CFO da empresa, Heitor Almeida, o “inverno das startups” foi encarado com certa naturalidade, como um reflexo direto da drenagem de liquidez dos mercados globais:
“Entendo que manter o foco nos parceiros estratégicos e entregar o que os investidores atuais esperam são ações fundamentais para continuar em evidência e atraente para o capital que se mantém disponível. É preciso se manter sempre na vanguarda do mercado”.