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O maior flop de marketing da Disney

Foto: Craig Adderley/Pexels

Talvez o título seja meio exagerado, mas tenho certeza que você não vai lembrar direito do maior flop de marketing da Disney,o que prova como realmente esse filme foi mal divulgado. Um fato que quer dizer muito vindo de um estúdio com mais de 100 anos e que marcou provavelmente todos que assistiram aos seus curtas, médias e longas, alguns, claro, mais do que outros.

Sei que é muito descolado dizer que Disney não é legal, que os filmes não têm graça e que um dos grandes vilões do mundo é um rato animado, o que explicaria o uso do personagem recém-chegado ao domínio público de forma bem sanguinária.

Só que mais descolado ainda é dizer a verdade: Disney é divertida, provavelmente tem algum filme que marcou a sua infância como um carinho no coração e quando a empresa lembra que fazer a magia parecer real deve ser o seu grande objetivo, grandes criadores ajudam a moldar a linguagem cinematográfica.

Não sei se falar assim me coloca na categoria de “adulto Disney” cruzes –  tanto quanto não sei se o termo “adulto Disney” ainda tem alguma relevância em 2024, mas os bastidores de como o estúdio se encaminhou pelas suas 10 décadas mostram, para o bem e para o mal, como negócios e cinema se encontram e formam uma indústria.

Uma das obras mais importantes de Customer Success é “O Jeito Disney de Encantar Clientes”. Nos tempos em que trabalhava na All Press, cheguei a escrever um post de blog só sobre o quão brilhante era a estratégia do Disney Vault. Ou seja, há muito o que um profissional de marketing pode aprender com a empresa do Valdisnei.

Mas eu garanto a você que as histórias dos tempos ruins da Disney são tão fascinantes quanto os bons momentos. 

Disney e o seu maior flop de marketing

Ambição é um troço muito perigoso e o que pode ser o maior flop no que tange Marketing para a Disney tem seu nascimento num inesperado sucesso. Afinal, o material de origem é muito importante para o catálogo do estúdio. Grandes histórias podem fazer bons filmes, mas que esperança pode ter um brinquedo de parque de diversões em gerar um clássico? 

Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra era uma aposta ousada da Disney, o seu primeiro filme PG-13, e a expectativa era que fosse um bom filme de verão. Não havia nenhuma grande estrela no elenco, daquelas que arrastam pessoas ao cinema, e o diretor era conhecido apenas pelo remake americano de O Chamado. Também te desafio a pensar em mais algum outro filme memorável que tenha piratas como protagonistas.

Mas, surpreendentemente, o filme foi um enorme sucesso, arrecadando uma bilheteria gigantesca, elogios dos críticos e indicações ao Oscar, até para Johnny Depp e seu icônico Jack Sparrow, tristemente não traduzido como “Zé Pardal” para o português.

Foi tanta grana que duas sequências seguintes foram filmadas ao mesmo tempo e arrecadaram uns 2 bilhões de dólares de bilheteria. 

Poderia ficar um bom tempo falando sobre como o primeiro filme é uma obra-prima da aventura, o 2 e o 3 são uma aula de storytelling e que os personagens foram todos muito bem escalados. Mas, por enquanto, o que importa é: os olhos do Mickey se tornaram cifrões e a Disney queria outro sucesso.

A Disney é de fórmulas

Vendo a história, é fácil ver como a Disney trabalha identificando um formato de filmes que dá certo, repete-o até a exaustão, entra em crise e ressurge com uma proposta nova. É fascinante. 

Durante grande parte do século passado, uma boa fonte de receita da Disney eram relançamentos dos clássicos nos cinemas, deixando o estúdio preguiçoso com novos lançamentos – os dos anos 80 eram bombas – e a marca parecia estar só ligada aos parques e não ao audiovisual. Nos anos 90, criaram uma fórmula – histórias cativantes, mágicas, com trilhas sonoras surreais. Aí, a fórmula fez muito sucesso – A Pequena Sereia, Tarzan, Hérculas, etc – até que ficou cansativo e eles viram a criançada ir pra Pixar – o que levou o Mickey a comprar a luminária que pula.

O Disney Channel era um canal de desenhos que dependia do amor das crianças pelos personagens clássicos. Aí, a molecada começou a ver outras coisas – só os de verdade lembram da Fox Kids, aliás. Disney decidiu fazer coisas novas e, numa leva, lançaram Hannah Montana e High School Musical – mega-sucessos. Com isso, vieram mais infinitas tentativas de cópias dos dois projetos – mas não é plágio quando se plagia a si mesmo, né?

Com o sucesso da trilogia de Piratas do Caribe, era hora de caçar uma nova franquia para aumentar os lucros. E, vou te contar, não foram poucas as tentativas. Vou listar uns abaixo e colocar breves comentários

  • Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo – Filme OK
  • O Cavaleiro Solitário – Com o Johnny Depp e o mesmo diretor da trilogia do Piratas, ou seja, uma bela tentativa (pena que um filme horroroso)
  • Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível – Apesar do nome, não é baseado no festival de música eletrônica
  • Jungle Cruise – O filme não é tão ruim quando você lembra que o diretor e The Rock se reencontrariam em Adão Negro
  • Mansão Mal-Assombrada – Filme ruim
  • Piratas do Caribe 4 e 5 – Sucessos de bilheteria, mas a vertiginosa queda de qualidade foi perceptível

Tá sentindo falta de algum filme? Não? Compreensível.

Mas tá faltando um.

John Carter

Não se sinta mal se esqueceu desse filme. John Carter foi o primeiro filme da história a perder 200 milhões de dólares – hoje seria um bilhão de reais. Até a Disney quer esquecer dele. 

Antes de chegar na parte do marketing, vou falar rapidamente do filme: 

John Carter conta a história de John Carter, um militar da guerra civil americana que é transportado a Marte. Lá, ele descobre super poderes por conta da gravidade diferente do planeta.

Em meio a tudo isso, ocorre uma guerra civil no próprio planeta Marte, o que faz com que John encontre Dejah, uma princesa marciana. Depois disso, como o chatGPT resumiu melhor do que eu poderia: “Juntos, eles enfrentam desafios, incluindo inimigos poderosos e políticas intrincadas, enquanto Carter tenta entender seu papel em meio ao caos de Marte.”

Não sei se a sinopse te deixou mais instigado ou não, mas fato é que havia muita antecipação para o filme, lançado no dia 11 de março de 2012. 

Por que o filme seria um sucesso enorme?

  • O diretor era Andrew Stanton, que comandou Procurando Nemo e WALL-E. Ou seja, um bom histórico de sucessos
  • Stanton era apaixonado pelo personagem. Seria uma mistura de um arrasa-quarteirões com um projeto pessoal
  • Sério, na cabeça dele, Carter era tão importante quanto o Batman
  • O elenco era estrelado
  • O roteirista já tinha ganhado um pulitzer
  • A Disney já estava com duas sequências praticamente confirmadas, era só esperar o sucesso do filme se confirmar
  • A obra original, de Edgar Rice Burroughs, foi lançada em 1912 e ajudou a inspirar outros sucessos da ficção científica, como Star Wars e Avatar.

Dito isso: Por que o filme fracassou?

  • O projeto levou muito tempo até ser executado e passou pela mão de muita gente – afinal, é uma personagem de mais de 100 anos. Começando lá na década de 30, com Bob Clampett (Looney Tunes), passando por Robert Rodriguez (Machete, Um Drink no Inferno e Pequenos Espiões) e chegou a ser oferecido a Jon Favreau, que largou o projeto para dirigir um tal de Homem de Ferro – conhece?
  • Quando chegou a hora de Stanton, ele arranjou alguns problemas, até com o título. Pensando que nenhum garoto iria querer ver um filme chamado “A Princesa de Marte” – nome do livro original no qual esse filme se basearia -, ele decidiu chamar de John Carter de Marte – nome do último livro da saga de Burroughs.
  • Mas MT Carney, executiva de marketing da Disney, não gostou do nome. Já havia muitos filmes com “Marte” no nome que fracassaram e o projetou virou apenas “John Carter”. Ou seja, não te diz muita coisa. *
  • Tom Cruise tinha interesse em protagonizar o filme, mas Stanton optou pelo muito menos popular Taylor Kitsch. Até aí, parabenizo a liberdade do diretor, mas temos que lembrar que o homem que mais corre em Hollywood é sempre uma aposta certa de bilheteria.
  • Por decisão de Stanton, não houve menção na promoção do filme ao seu passado como diretor da Pixar. Até aí, de novo, tudo bem para ele, mas… Um problema para o Marketing.

Se nem a Disney parecia querer promover o filme direito, o público acabou que não quis ir também. Loucura, né?

Lições para o seu time de marketing

Aprender com os seus próprios erros é essencial, mas aprender com os erros dos outros é questão de inteligência. E, como dito no começo, a Disney tem muito a ensinar.

Esteja você promovendo um filme, um software, uma quitanda ou um sonho, atente-se para o fato de que:

  • Um passo de cada vez. Sonhar é necessário e pensar no futuro também. É preciso se preparar para o fracasso tanto quanto para o sucesso. Mas não queime fases. Quando planejar algum produto ou campanha, lembre-se de quebrar em etapas e respeitar cada uma delas. A Disney planejou uma trilogia de filmes para John Carter! Só que nem o primeiro deu certo.
  • As palavras importam. E não é pouco. É difícil dizer que o fracasso teria sido menor se fosse outro título, mas dá pra combinar que só “John Carter” não quer dizer muita coisa*. Então, na hora de escrever, seja o nome de algo, uma copy, um roteiro, o que for, tenha apreço que está sendo digitado. Não basta ser funcional, tem que ser encantador.
  • Fórmulas têm data de validade. Não vou dizer que todas são necessariamente assim, tem receita de bolo com centenas de anos de idade que ainda são uma delícia, mas no mundo do Marketing, sobretudo em estratégias de Growth, não existe fórmula mágica, muito menos uma que dure para sempre. Existem alavancas que funcionam por um tempo e que, se bem exploradas, podem resultar num ótimo crescimento. Mas tal qual a ciência, growth requer estudo contínuo e experimentação – como um dia, o próprio Piratas do Caribe foi uma aposta.
  • Contrate quem sabe das coisas. MT Carney, a presidente de marketing da Walt Disney Studios na época, tinha uma experiência brilhante na área da comunicação. Só nunca teve nenhuma vivência no mundo do cinema ou entretenimento. Durou apenas uns 2 anos no cargo.

E qual o final dessa história?

Apesar do filme ser, de maneira geral, bem legal, e de ter encontrado uma audiência bem receptiva no streaming, não devemos ver John Carter 2 acontecer.

O elenco conseguiu se encaminhar de alguma forma. O diretor lançou Procurando Dory, que faturou mais de 1 bilhão de dólares.

E a Disney?

A Disney não encontrou seu novo Piratas – tal qual nenhum Camp Rock foi High School Musical – mas eles conseguiram encontrar uma nova franquia de sucesso – aliás, a mais bem sucedida da história – após comprar a Marvel.

E todos ficaram felizes para sempre.

A não ser, é claro, até o totalmente hipotético momento da Marvel também se tornar uma fórmula. Mas não deve rolar tão cedo, né?

* “Ah, Luiz, mas e ‘John Wick’? Por que esse funciona, hein?”

A bilheteria de “John Wick” simbolizou menos da metade do John Carter faturou, mas configurou um sucesso porque custou significativamente menos. Quando as expectativas são menores, a chance de fracassar também diminui.

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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