Por Felipe Bernardi Capistrano Diniz.
À medida que a tecnologia avança e transforma nossas formas de trabalhar, criar e nos relacionar, tornar as marcas mais humanas é fundamental.
Quando discutimos como o processo de construção de marca mudou e a importância de focar no diálogo com a comunidade, muitos não compreendem totalmente o que isso implica.
Muitos imaginam uma interação literal, onde a marca responde aos consumidores nas redes sociais ou cria avatares para uma interação mais “humana” com cada cliente. No entanto, o conceito de diálogo com a comunidade vai além disso.
Esse diálogo representa um fluxo constante de informações, no qual a empresa deve ser capaz de ouvir ativamente, demonstrando flexibilidade e agilidade para responder rapidamente às mudanças do mercado.
Assim, não se trata apenas da comunidade respondendo diretamente à marca, mas sim expressando-se livremente, e a marca precisa ter a habilidade de compreender o que os consumidores estão comunicando.
Um exemplo recente disso é o comercial do iPad da Apple, que ganhou bastante repercussão devido ao prestígio da marca como uma das mais valiosas do mundo e pela lealdade de sua base de consumidores. Para muitos, a Apple é quase venerada, como uma entidade infalível, embora também seja possível apontar erros da marca em produtos e comunicações, como neste caso específico.
No comercial de lançamento do novo iPad, foi exibido um vídeo mostrando uma prensa gigante destruindo instrumentos musicais e materiais de arte, culminando com a revelação do novo iPad, mais fino do que nunca. A mensagem pretendida era transmitir a versatilidade do iPad para estimular a criatividade. No entanto, essa mensagem foi interpretada de forma diferente por algumas pessoas.
Em um momento em que sentimos cada vez mais o impacto da tecnologia em nossas vidas, a imagem de itens ligados à criatividade artística sendo esmagados pode causar um desconforto profundo. Há uma disputa em curso entre o mundo tecnológico e o orgânico, especialmente desde que o ChatGPT foi aberto ao público.
Ainda estamos em processo de adaptação desta ferramenta ao nosso trabalho e cotidiano, e muitas pessoas que trabalham com criatividade estão enfrentando pressões relacionadas à possível substituição, mesmo que parcial, de suas atividades pela inteligência artificial.
Além disso, há o legado humano, que nos define como únicos e que valorizamos profundamente, pois é o que nos confere identidade – nossas imperfeições, dificuldades, talentos, costumes e comportamentos, frequentemente paradoxais. Essa é a razão pela qual ansiamos por mais tecnologia, ao mesmo tempo em que nos sentimos ameaçados por ela.
O comercial da Apple ignorou esses aspectos ao enfatizar a supremacia da tecnologia sobre a criatividade (ou sua ausência), o talento (ou a falta dele), e ao sugerir a substituição do processo humano, imperfeito e desajeitado de fazer as coisas.
Ele retratou músicas descompassadas e desafinadas, assim como pinturas com traços imperfeitos e desiguais sendo esmagadas. Essa representação nos afetou profundamente porque, em essência, é isso que nos define como seres humanos.
E então entra a Samsung. Esta empresa é reconhecida por seus produtos de alta qualidade, tecnologia avançada, confiabilidade, funcionalidade e ótimo custo-benefício. É justamente por essas características que ela vende tanto.
No entanto, a Samsung está longe de gerar o mesmo entusiasmo e interesse que a Apple. A aura de sofisticação, energia e vivacidade que envolve a marca Apple é algo que a Samsung ainda não conseguiu igualar.
Entretanto, esse entusiasmo também pode ser exagerado, afetado e cansativo. Enquanto atrai uma grande quantidade de pessoas, também afasta muitas que consideram a adoração pelos produtos (e marca) da Apple como exagerada. Há aqueles que riem dos fanáticos da Apple que esperam na fila fora da loja, e que não veem valor nos produtos da marca que são considerados superfaturados.
A Samsung, especialmente nos EUA, tem como alvo exatamente esse grupo de consumidores. Ela não se concentra na lealdade à marca Samsung, mas sim na insatisfação de certas pessoas com a marca Apple.
Isso reflete uma estratégia de seguidor, algo que muitas outras empresas já adotaram, como a Pepsi no Brasil ou a Avis em uma campanha icônica no mercado americano. Os erros da Apple impulsionam os acertos da Samsung.
A empresa tem outros dois comerciais notáveis nessa mesma linha: um que zomba dos aficionados da Apple na fila pelo novo iPhone, usado durante o lançamento do Galaxy SII nos EUA, e outro que destaca a dependência dos usuários da Apple de tomadas devido à baixa capacidade da bateria de alguns produtos.
A Samsung se posiciona consistentemente como a alternativa à Apple. E os que são contra a Apple também formam uma comunidade própria!
A resposta da Samsung ao comercial do iPad é realmente impactante. Ela coloca em destaque a crítica aos excessos tecnológicos da Apple e ressalta a importância da humanização da tecnologia.
Ao enfatizar como a tecnologia pode melhorar nossas capacidades humanas em vez de substituí-las, a Samsung cria uma conexão emocional significativa.
Essa abordagem mais humana e empática ressoa com as preocupações e inseguranças que muitos têm em relação ao avanço tecnológico, tornando-a uma estratégia bem-sucedida.
A abordagem da Samsung é falha, tática e imperfeita – uma comunicação que não se alinha necessariamente à estratégia da marca e é improvável que tenha continuidade. É uma abordagem oportunista, mas também humana.
Em um mundo onde a tecnologia continua a avançar e transformar a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, humanizar as marcas é crucial. É importante saber lidar com a realidade complexa dos seres humanos.
Com o avanço tecnológico, estamos aprendendo a valorizar a beleza da imperfeição humana e a preferir interações mais autênticas, em vez da perfeição artificial promovida por algumas marcas. Queremos diálogo genuíno, e a Samsung demonstrou estar atenta a isso.