Search

Gestor com pensamento crítico x massificado

Foto: divulgação.

Mesmo que muitos afirmem o contrário, a verdade é que falta líder, chefe e/ou gestor com pensamento crítico no mercado e sobram os que têm caráter massificado.

Essa afirmação soa errada, afinal, alguém que alcança uma posição de liderança deveria naturalmente ter uma capacidade robusta de se posicionar e guiar. 

Mas, na realidade, ser um bom executor ou ter uma trajetória bem-sucedida não garante que a pessoa possua pensamento crítico.

É possível, claro, que uma empresa prospere com um líder que não tenha essa habilidade. Porém, existe um enorme risco desse gestor, com seus preconceitos e teimosias, se tornar uma âncora que impede o negócio de atingir seu verdadeiro potencial.

E o pior é que quase ninguém admite que não possui pensamento crítico – ninguém quer dar pano pra manga e ser chamado de burro.

No mercado atual, onde as mudanças acontecem rapidamente e tudo se torna cada vez mais competitivo, o pensamento crítico é essencial. Você sabe disso. Mas a sua empresa está pronta para contratar, reter e promover funcionários, líderes e gestores com essa capacidade?

Gestor com pensamento crítico e o Gestor massificado: quem é quem

Antes de definirmos o que é um líder ou gestor com pensamento crítico e qual é massificado vou recorrer ao conceito que me fez nomear o segundo. É o que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset chamou de “homem-massa”.

Contrariando o que o senso comum poderia concluir desse nome,  o “homem-massa” não é alguém sem educação ou guiado por religião, time de futebol e partido político. Pelo contrário, ele pode ser altamente instruído, bem-sucedido e ocupar uma posição de prestígio na sociedade.

E é justamente essas conquistas por conta de suas capacidades e autonomia que darão a ele a sensação de que possui conhecimento e relevância para opinar em áreas pelas quais nunca transitou.

Ortega y Gasset escreveu “A Rebelião das Massas” no início do século XX, em um contexto geopolítico marcado pela ascensão do fascismo e da revolução comunista. Embora seu texto possa parecer distante da nossa realidade numa leitura superficial, o “homem-massa” – que não tem nada de rebelde ou revolucionário necessariamente – está presente em diversos ambientes de trabalho contemporâneos.

Este é o tipo de gestor e líder que, por exemplo, opina com convicção sobre vendas sem nunca ter vendido um único troço na vida, ou tem fortes opiniões sobre temas complexos como gênero, sem ter feito qualquer estudo profundo sobre o assunto. Inclusive, fica a dica: Quanto mais simplista e direta é a solução que se propõe para um problema, maior a probabilidade de que não se compreenda a real complexidade da questão.

Pintando outro cenário, é o caso cliché do chefe que escuta um podcast sobre uma nova estratégia e volta ao escritório dizendo: “É isso que precisamos fazer.” como se tivesse total domínio do tema em questão e a implementa sem considerar outras perspectivas – principalmente as do seu time de especialistas.

Esse tipo de gestor, incapaz de ver nuances ou de questionar suas próprias suposições, dificulta qualquer discussão produtiva. Ele está sempre buscando uma confirmação de suas ideias, o que pode levar ao sufocamento das boas ideias do time. Ou a sensação, por parte de um liderado discordante, que seu próprio líder está torcendo contra o sucesso dele.

Um líder assim massifica opiniões, exclui a individualidade e no fim, a empresa acaba estagnada em um ciclo de decisões apressadas ou mal fundamentadas.

De volta à escola

​​Isso me lembra de uma atividade de escola, algo que, para minha surpresa, parecia se estender desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio, a velha questão do “Qual o humor da tira?”

Geralmente em um livro de Língua Portuguesa, História ou Geografia, vinha uma tirinha ou charge – ferramentas ótimas para críticas sociais – seguida da tal pergunta ao jovem leitor. Básica, claro, e com o objetivo coerente de provocar reflexão e fazer a criança se posicionar.

Lembro claramente de uma ocasião em que a tirinha tinha um primeiro e um segundo quadrinho, e o terceiro estava em branco. A ideia era que nós, alunos, completassemos a história.

Foi curioso observar como muitos dos meus colegas simplesmente criaram um final, mas sem adicionar humor, crítica ou qualquer outra camada de profundidade. Era um fechamento superficial, quase automático, como se não houvesse nada além de concluir a narrativa mecanicamente.

Para mim, isso indicava duas coisas: ou as pessoas realmente se esforçaram, mas não conseguiram criar algo porque, convenhamos, a maioria de nós não é engraçada (o que explica por que valorizamos tanto quem tem graça), ou isso revelava algo mais profundo: somos capazes de entender a crítica ou o humor exposto, mas temos dificuldade em elaborar sobre ele.

Ou talvez, no fundo, não seja nada disso. Talvez a maioria só não ligasse.

Porque essa é a grande questão sobre pensamento crítico: fatos e conclusões simples nem sempre indicam a verdade. Fatos podem ser manipulados, e conclusões rápidas, por mais que pareçam corretas, nem sempre são verdadeiras.

Só que vivemos em um mundo apressado, onde tudo precisa ser feito rapidamente – desde decisões de negócios até a forma como consumimos informação.

E, nesse ritmo frenético, o pensamento crítico se torna uma habilidade escassa. A necessidade de reflexão fica em segundo plano, enquanto buscamos soluções rápidas para tudo.

Por isso, embora hoje o pensamento crítico seja mais importante do que nunca, ele enfrenta um obstáculo: a pressa.

Mesmo com todos os recursos disponíveis, parece que as empresas ainda não encontraram a forma de incentivar e garantir a liberdade de pensamento crítico. Afinal, o que se ganha com isso?

Nada. Talvez. E isso é a melhor coisa que você poderia querer.

Aquela frase que todo mundo conhece

Descartes nos deixou a famosa frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum). O que ele quer nos transmitir é que o pensamento, a dúvida e a reflexão talvez sejam as únicas certezas que realmente possuímos.

Mas são poucos os que querem isso na sua empresa, tem muita gente que só quer certeza rápidas, e aí que o gestor massificado cresce e quem tem pensamento crítico fica. Principalmente se forem alinhadas com a da pessoa que decide quem é promovido.

Mas então, por que contratar alguém? Por que passar por processos seletivos longos e complexos em busca do candidato ideal, aquele que não só possui experiência e habilidade de execução, mas também é comunicativo e criativo, e por aí vai?

Se não for para que esse profissional traga consigo sua individualidade e visão, ajudando a enriquecer o pensamento crítico da empresa, tudo isso se torna uma formalidade vazia.

Um mesmo vazio de empresas que supostamente permitem o pensamento crítico, mas só se diretamente atrelado a uma meta. Algo que não explicitamente diria “Só é permitido pensar se o seu pensamento garantir mais resultados que o caminho atual, senão, o seu pensamento será considerado um erro.” E um funcionário dedicado sempre terá medo do que pode acontecer se errar.

Puxando pro meu setor

No mundo do marketing e vendas, é comum ouvirmos que “Receita Previsível” do Aaron Ross já não funciona mais. Quem geralmente profere essa frase ou não é da área, ou não leu o livro ou vai apresentar uma nova solução milagrosa, que na prática é a Receita Previsível na base do “copia, mas não faz igual.”

Quem leu, ou só leu o resumo em algum blog, mais provavelmente, e tem essa opinião, não entendeu que o livro foi escrito num contexto muito específico do autor, em que ele levantou reflexões sobre o processo de vendas, praticamente trazendo ciência para o que muita gente só via como um dom ou vocação individual, e deu exemplos de ações tomadas. 

A pressa fez com que muita gente pulasse direto para as ações e entendesse aquilo como um checklist, não entendendo nada do que veio antes.

Aí, por exemplo, uma empresa faz um disparo de uma mensagem em massa para os mais diversos cargos e setores de uma empresa que pode ou não ter fit de negócio, sendo que não é nisso que a metodologia se baseia, pelo contrário, a abordagem se mostra ineficaz e a conclusão é: “Receita Previsível” não funciona.

Imagine o quanto uma empresa poderia ganhar em eficiência se um líder, sem tanta opinião, decidisse ler o livro e tentar entender por que ele foi tão bem-sucedido e por que tantos vendedores o recomendam, em vez de simplesmente presumir que está desatualizado. Sairia uma estratégia personalizada e altamente eficiente.

Ser ou ter um gestor massificado não é o fim do mundo, mas um grande risco num contexto de mudanças rápidas de mercado e novas tendências que vêm e vão.

O pensamento crítico pode ser a melhor bússola em meio a essas ondas, garantindo com que você, o seu negócio e a sua carreira cheguem ao objetivo desejado.

LEIA TAMBÉM: O limite do “feito é melhor que perfeito”

Compartilhe

Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

Leia também