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Por que definir a nossa identidade com o nosso trabalho é um problema?

Foto: divulgação.

Todo mundo tem uma visão sobre a política do seu país ou sobre a religião de modo geral. Mesmo que você fuja desses assuntos, todos temos alguma coisa para falar sobre esses assuntos. Afinal de contas, faz parte do nosso inventário personalístico da vida.

Não importa o quão qualificado você seja no assunto, todo mundo possui uma identidade que represente diferentes fatores, sejam eles de fé, sociais, políticos ou econômicos. O ponto é que nem sempre sabendo que temos.

No mundo do trabalho a lógica é a mesma, mas com uma diferença: muitas vezes, a gente faz questão de expor essa identidade corporativa, essa declaração que ‘chegamos lá’ e, com isso, nos orgulharmos de quem somos.

Ou seja, todo mundo tem uma identidade que projeta um sucesso desejado ou alcançado. Sempre lembrando que o significado de sucesso para mim pode ser uma coisa completamente diferente para você.

Entendo que a sua definição é o resultado de vários fatores, sejam eles acadêmicos ou profissionais. Trabalhar na maior empresa do segmento ou se formar na universidade mais conceituada do país ou fundar a startup da moda.

Tudo isso pode estar ligado a como você se percebe, à sua identidade. É o jeito que destacamos nossas virtudes para fortalecer uma imagem pessoal que vernizamos diariamente nas redes sociais. A vitrine ligada 24h por dia vende essa imagem da forma como a gente deseja, mesmo que ela cubra algo maior que sequer saibamos.

Esse algo maior pode estar ligado a um fator de medo de falhar no nosso local de trabalho – mesmo que inconscientemente, que a sua forma de se identificar com a sua profissão o impeça de entender.

O interessante disso é que sentir medo de algo é extremamente natural. Todo mundo possui medo de algo e comigo não é diferente.

De acordo com o UK Therapy Guide, 20% das pessoas no mundo têm medo de morrer. Mesmo assim, esse medo não é tão grande e expressivo quanto a outro que está bem mais próximo da gente: 40% das pessoas têm medo de falhar no ambiente de trabalho. 

Se as pessoas têm muito mais medo de falhar na empresa do que medo da própria morte, isso indica que o receio de errar no trabalho é não saber lidar com o impacto direto da sua identidade como pessoa. Não à toa que o processo de desligamento pode ser tão traumático para algumas pessoas que outras uma vez que tudo o ela possui é a sua ‘versão trabalho’ para chamar de sua.

O ponto aqui é simples: criamos uma imagem de sucesso pela busca de uma autoafirmação a partir do que fazemos no mundo do trabalho pois é por meio dela que, muitas vezes, nos sentimos pertencido a algo e que podemos nos descrever de forma mais simples e objetiva.

Que atire a primeira pedra quem nunca adotou o seu local de trabalho ou o seu cargo na empresa como um segundo nome.

Muitas vezes, usamos esse tipo de identificação pois retrata uma projeção de uma ideia de sucesso. O sucesso e o orgulho representam, juntos, uma mensagem que somos úteis e importantes em algum momento. Não há nada mais confortante que isso, não é?

E isso é ainda mais intenso quando atrelamos ao cargo no qual atuamos. Gerente? Head? Diretoria? CFO? CEO? Coisas que brilham os olhos de muita gente.

Porém, se tem algo que é extremamente normal e previsível é que, não importa onde você trabalha e o cargo que você ocupa, um dia você não fará mais parte do time.

E por mais que o ideal de sucesso seja algo extremamente pessoal e muitas vezes propositalmente declarado para todos, todo ciclo tem um fim.

A festa vai acabar para todo mundo um dia, inclusive para você.

Não importa o quão esperto e dedicado você seja. Chegará o dia em que a sua empresa comunicará você a difícil notícia e isso pode ser doído. Mas veja, não faça disso um luto maior do que ele já é.

Esses dias eu li um conselho que serve bem para o que eu estou dizendo:

“…não leve tudo para o lado pessoal. Nem todo mundo pensa em você tanto quanto você mesmo. Nem toda crítica é um ataque, nem toda ausência é desprezo. As pessoas têm suas próprias preocupações. Quando entendemos isso, paramos de sofrer por coisas que nem eram sobre nós.” fonte.

Talvez os seus dez anos de empresa virem 5 minutos de uma ligação para informar que o seu ciclo se encerrou. E isso pode acontecer, é do jogo.

Por mais chocante que essa notícia possa parecer, ela pode representar um recomeço naquilo que você tem mais valioso na sua carreira: a sua identidade. Afinal, a única pessoa que você precisa encarar todas as manhãs é a si mesmo.

Bom, para tentar explicar como eu lido com isso, eu deixo meu raciocínio com você: quais são os adjetivos que você identifica em um ambiente de trabalho? Qual é o Job to be Done da sua carreira que faz você se identificar? Você é o que você entrega ou aquilo que as pessoas reconhecem de você? Como você espera ser lembrando a partir do momento que não estiver mais presente? Responder essas e outras perguntas sem citar um cargo ou uma empresa me faz crer que a minha identidade está sendo construída de forma coerente.

Em outras palavras, autoconhecimento é vida, meu povo.

E só para deixar claro: nada disso é uma crítica ao modelo de gestão das organizações ou a qualquer empresa na qual já trabalhei. A vida de uma empresa não será comprometida com a sua saída assim como você sempre terá outro lugar tão legal quanto para trabalhar.

Mas se lhe serve de consolo, a identidade profissional te faz desejado e reconhecido, porém você pode ser muito mais do que o seu crachá.

Inclusive, já foi assunto até da minha terapia e eu trago aqui também. É importante reconhecer que somos seres humanos e inevitavelmente fomos desenvolvidos buscando ser desejados ou reconhecidos o tempo todo – as redes sociais fazem isso muito bem. Assim, atrelar o nosso emprego à nossa identidade é tão natural quanto antropológico.

Mas veja, quando a gente passa a ter consciência de que o fim da festa chegará para todos e esse rótulo não nos acompanhará da mesma forma, vem a pergunta: pois bem, mas como eu me identifico a partir de agora?

Se esse artigo não te fez refletir sobre isso até agora, termino por aqui respondendo com uma outra pergunta: por que essa pressa toda para se definir?

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Entusiasta de uma educação livre e democrática.

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