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O que a aviação pode ensinar às empresas sobre gestão de riscos

Crédito da foto: Daniel Zimmermann

Em 2023 topei o convite de amigos para fazer o curso de piloto privado de avião, no Aeroclube de Blumenau, imaginando que seria apenas mais uma experiência de convivência. Ledo engano.

O mergulho no universo da aviação revelou muito mais do que o prazer de aprender a voar. Descobri um mundo em que o gerenciamento de riscos é tratado com seriedade, profundidade e, acima de tudo, com pragmatismo. A aviação não é segura por acaso. Ela se apoia em doutrinas sólidas de segurança operacional que podem inspirar o ambiente corporativo empresarial.

Um dos conceitos que me chamou atenção é o da cultura justa (just culture), amplamente difundido por Sidney Dekker e utilizado como base em relatórios de segurança e acidentes.

A cultura justa parte de um pressuposto simples e poderoso: errar é humano. Em sistemas complexos, como a aviação ou o mercado financeiro, falhas acontecem. A diferença está em como a organização reage a esses erros.

Em vez de buscar culpados, a cultura justa propõe analisar o contexto, entender as causas e transformar incidentes em aprendizado. Ela não significa ausência de responsabilização, mas sim uma responsabilização proporcional e contextualizada.

Em um ambiente de cultura justa:

  • Profissionais são incentivados a relatar falhas e quase acidentes sem medo de punições desproporcionais;
  • O foco sai do indivíduo e vai para os fatores sistêmicos;
  • A transparência e a confiança fortalecem o aprendizado coletivo;
  • A mentalidade deixa de ser reativa (agir só após a falha) e passa a ser proativa e preditiva (agir antes que o problema aconteça).

Nas empresas, ainda é comum observarmos a “cultura do medo”. O funcionário que erra é punido ou estigmatizado, e isso gera o efeito oposto ao desejado: silenciamento. Quantos problemas poderiam ser evitados se houvesse um canal seguro para reportar falhas, riscos ou irregularidades? Quantas vezes já passamos por situações de “ufa, quase que deixamos isso escapar” e não reportamos “o quase” para ninguém?

A experiência da aviação mostra que um erro relatado a tempo pode salvar vidas. No ambiente corporativo, pode salvar negócios, reputações e até carreiras.

A cultura justa é um antídoto contra a cegueira organizacional. Ao invés de medidas paliativas que corrigem apenas a “ponta do iceberg”, ela provoca mudanças estruturais, fortalece os controles internos e aumenta a resiliência da empresa.

Outro conceito central trazido pela aviação é a resiliência cognitiva. Pilotos e controladores de tráfego aéreo precisam manter foco, clareza e julgamento crítico mesmo sob pressão. E isso só é possível em um ambiente em que há confiança e suporte organizacional.

No mundo corporativo, quantas decisões importantes são tomadas sob pressão, sem tempo e com informações incompletas? Um time que trabalha em ambiente de confiança — onde pode admitir falhas, pedir ajuda e aprender — será sempre mais resiliente do que um time acuado pelo medo.

Implementar uma cultura justa não é tarefa simples. Exige mudança de mentalidade, revisão de processos e, principalmente, liderança corajosa.

A verdade é que é muito mais fácil punir do que investigar causas. É mais simples silenciar do que ouvir críticas. Mas é justamente o caminho mais difícil que traz resultados sustentáveis.

A aviação levou décadas para construir esses modelos, mas ainda enfrenta desafios na sua plena aplicabilidade. O exemplo mais recente decorre do acidente causado em fevereiro deste ano no aeroporto do Galeão, quando o controlador de voo falhou e permitiu que um avião decolasse quando havia um veículo de manutenção na pista. Neste caso, mesmo quando verificou que o avião estava decolando com o carro na pista, não avisou os pilotos para abortarem a decolagem, nem os ocupantes do veículo para saírem da pista. O acidente, por uma incrível habilidade dos pilotos, não virou uma tragédia.

Uma das recomendações do CENIPA para este evento é que sejam realizadas avaliações periódicas da cultura organizacional, com foco na promoção da cultura justa, a fim de garantir que os operadores se sintam seguros para reportar erros, reduzindo barreiras à ação corretiva imediata.

O mundo corporativo pode — e deve — acelerar essa adoção e aprendizado.

Se quisermos empresas verdadeiramente resilientes, precisamos abandonar a lógica punitiva e reativa e migrar para uma lógica de aprendizado, confiança e prevenção.

Assim como na aviação, em que cada incidente ou quase incidente é uma oportunidade de tornar o voo mais seguro, nas corporações cada falha pode ser a semente de um sistema mais robusto. A chave é simples: construir ambientes em que as pessoas não tenham medo de falar. Repito: falar não apenas quando deu errado, mas também quando quase deu errado. Afinal, quem cala diante do erro ou quase erro pode estar permitindo que o próximo “acidente corporativo” aconteça.

E você? Já tinha ouvido falar sobre este conceito? Entende que cabe trata-lo dentro de sua organização?

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Advogado e empreendedor

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