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Digitalizar é fácil, fazer sentido é outra história

Foto: divulgação

Por Cesar Schmitzhaus, diretor da Teltec Data.

Tenho observado uma tendência bastante preocupante no mercado corporativo: a crença de que digitalizar é sinônimo de resolver problemas automaticamente. Na prática, vemos sistemas tecnicamente impecáveis, mas que falham miseravelmente na experiência humana. É como construir uma Ferrari com bancos de madeira, tecnicamente impressionante, mas completamente desconectada de quem vai usá-la no dia a dia.

Um exemplo recente me fez refletir ainda mais sobre isso. Ao tentar trocar o tipo de leite em um simples café, precisei navegar por várias telas em um tablet. Cada toque exigia uma decisão, cada decisão abria novas opções, e o que antes era resolvido com uma frase, “sem lactose, por favor”, passou a exigir fluência em UX design. O barista, que antes conhecia meu pedido, agora se limita a observar enquanto eu luto contra uma interface que alguém julgou intuitiva.

Esse episódio simples chama a atenção para um problema que atravessa organizações de todos os portes. Decisões sobre tecnologia são muitas vezes tomadas a partir de métricas de eficiência operacional, sem considerar o custo cognitivo transferido para o usuário final. No papel, tudo parece muito vantajoso: menos funcionários, menos treinamento, menos variabilidade humana. O que não aparece na planilha é a frustração do cliente que precisa reaprender processos básicos, ou a quebra de confiança quando a tecnologia falha justamente no momento em que mais precisamos dela.

A armadilha da digitalização mal aplicada é justamente prometer simplicidade por meio da complexidade. Criamos sistemas sofisticados para resolver problemas triviais e, no processo, tornamos o trivial cada vez mais difícil. É uma inversão de prioridades que surge quando confundimos capacidade tecnológica com necessidade real do usuário. Ter a ferramenta não significa necessariamente que devemos usá-la para tudo.

A verdadeira eficiência da tecnologia está na sua capacidade de ser quase invisível. Quando um sistema exige que a pessoa interrompa sua rotina para entender como usá-lo, ele falhou em seu propósito fundamental. A melhor tecnologia amplifica capacidades humanas sem impor que nos adaptemos à sua lógica interna. É a diferença entre uma prótese que devolve o movimento natural e outra que obriga o usuário a reaprender como andar.

Não se trata de resistir ao digital, mas de aplicá-lo com sabedoria. Automatizar pelo simples prazer de automatizar é desperdício de tempo, de recursos e, sobretudo, de valor. Nem todo processo precisa ser digitalizado, assim como nem toda eficiência operacional se traduz em benefício para quem realmente importa: o usuário.

De acordo com o Gartner, menos da metade das iniciativas de transformação digital atinge seus objetivos estratégicos, em grande parte porque as empresas priorizam tecnologia antes de entender claramente os problemas que desejam resolver. Essa desconexão entre propósito e execução tem um custo alto: frustração interna, desperdício de investimento e, principalmente, perda de confiança do cliente.

Eficiência real vai além de reduzir custos ou aumentar velocidade. Ela se manifesta na entrega de valor sem fricção, na capacidade de resolver problemas sem criar novos e de melhorar experiências sem exigir esforço adicional das pessoas. Quando atingimos esse equilíbrio, a tecnologia cumpre sua promessa de ser uma extensão natural das nossas capacidades, e não uma barreira a ser superada.

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