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A classe média vai morrer?

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Foto: divulgação.

Em anos de crise econômica, principalmente em períodos de eleição, a pergunta “a classe média vai morrer?” surge com frequência e parece ganhar cada vez mais força. Essa questão dói mais em uns que em outros, claro. Só que toda conversa sobre o tema esbarra já no fato de que é difícil definir esse grupo.

A classe média, no geral, não passa por insegurança alimentar, mas também não vive de maneira particularmente próspera. Ela possui algumas conquistas, mas raramente sobra dinheiro. Para muitos, um segundo emprego é essencial para garantir um estilo de vida que inclua, por exemplo, o consumo de marcas famosas. Esse grupo também oscila entre o endividamento e a busca por uma vida melhor, o que muitas vezes implica em correr riscos financeiros.

Classe média: vai ou não vai morrer?

Para falar se a classe média vai morrer ou não, precisamos definir o que ela é. Também, como relacioná-la com o espectro político atual. Afinal, é fato que somos um país que é ainda é pobre e tem uma concentração de renda gritante. Mas existe uma população entre os espectros. 

Mais: A mobilidade social também existe, como grande trunfo do capitalismo, mas quando se chega a algum lugar, é necessário que se encontre algum fundamento ali. E a política regula a economia, que por sua vez, define o nosso acesso ao bem-estar.

A culpa é do Karl Marx

Muitas das análises sobre classe social remontam aos estudos de Karl Marx. Embora ele não tenha sido o único a tratar do tema, Marx é constantemente lembrado quando se discute a divisão entre ricos e pobres, além das relações trabalhistas.

Mesmo que você não concorde com muitas das ideias dele, é inegável por economistas “sérios” – que recebem salários e não só likes – que Marx conseguiu entender e descrever com precisão as dinâmicas do capitalismo em sua época, como no conceito da “mais-valia”, que explica o lucro obtido pelo empregador sobre o trabalho do empregado.

No entanto, Marx não elaborou sobre uma “classe média”. Na época e para ele, ou você era trabalhador ou patrão. O conceito de alguém que trabalha, mas tem uma condição de vida um pouco melhor que a base da pirâmide, não era abordado.

Marx também não considerava o pequeno empresário ou empreendedor, que, mesmo sendo “patrão”, muitas vezes é o primeiro a chegar e o último a sair do próprio negócio. Esse indivíduo, que trabalha duro para manter seu empreendimento, está longe de se encaixar na imagem do grande capitalista burguês que Marx tanto criticava.

E a complexidade da percepção de classe muitas vezes se dá dentro da própria classe média, por isso que dividimos em baixa, alta e média-média – o que é sempre engraçado de falar. Pobre é pobre, na prática, não existe pobre plus. Já o rico ou é rico, ou é aquele nível que parece intocável.

Se Marx não descreveu, fica difícil para a esquerda em geral definir e pior ainda para a direita criticar a opinião da esquerda sobre. Repare: Nenhum dos dois lados consegue se conectar de verdade com os anseios da classe média. Com a dor de quem tem medo de precisar depender do SUS, mas que sente muito o preço de um plano de saúde muito no orçamento.

A esquerda – e você pode pensar aqui na figura do Lula -, tem uma dificuldade em dialogar com a classe média, pois não compreende bem as aspirações desse grupo. A classe média não quer apenas evitar a pobreza; ela quer mais, ela quer ascender. Já a direita – imagine o Bolsonaro – costuma se conectar melhor com a classe média, oferecendo promessas que atendem a esse desejo, mesmo que, na prática, nem sempre consigam cumprir.

Talvez o exemplo mais marcante dessa minha última frase seja a pejotização, instaurada pelo Temer e que, apesar de polêmica e de remover benefícios trabalhistas, ofereceu à classe média a possibilidade de múltiplos empregos e uma forma mais flexível de gestão de seus rendimentos. Para muitos, essa foi uma resposta às frustrações com o mercado de trabalho tradicional. Se funcionou ou não…

O sistema está matando a classe média?

A classe média, uma peça-chave na engrenagem social, passou por transformações profundas nas últimas décadas. Antigamente, você poderia entender como um grupo que tinha casa própria, carro, acesso a escola particular e/ou plano de saúde (mesmo não sendo os mais exclusivos) e que poderia ter uma viagem legal por ano, para a praia ou para a serra.

Hoje, muitas famílias de classe média moram de aluguel, têm um carro antigo ou nenhum carro e precisam escolher entre pagar por um plano de saúde para todos ou pela educação dos filhos ou por viajar no final do ano.

Alguma coisa ou muita coisa se perdeu no meio do caminho entre a projeção, a expectativa, e o que se vê.

A gente sempre fala – e ninguém parece que escuta – como a profissão de professor é desvalorizada no Brasil. Veja: É uma profissão formal, CLT, 8 horas ou mais por dia e que demanda formação para que se possa ser executada. Cenário mais “classe média” impossível. E tem muito professor sem poder aquisitivo para poder matricular os filhos na própria escola particular em que dá aula.

A verdade é que a classe média de hoje se sente pressionada. Ela paga altos impostos, lida com um custo de vida elevado e espera mais das políticas públicas. Se esforça muito e não vê retorno, se entende estagnada ou até em retrocesso.

Classe média é a promessa de um país ao seu cidadão

Apesar de eu estar falando bastante sobre as classes, não é um texto para ser entendido com um viés socialista. Até porque talvez a classe média seja o extrato mais pragmático e menos ideológico na hora de tomar decisões.

Tem muito sindicato que apela para uma perspectiva de guerrilha em seu discurso quando talvez fosse conseguir se aproximar mais da classe média falando, por exemplo, sobre a relação direta entre sindicalismo e poder de compra. Nos Estados Unidos, a queda da sindicalização de seus trabalhadores acompanhou diretamente a queda do percentual do país que está na classe média.

Mas de novo, não é um texto socialista, pelo contrário. Todos ficariam com medo de viver no cenário do pesadelo, em que o capitalismo chegou ao fim e o que se instaurou no lugar foi um neo-feudalismo em que existe apenas a realeza/elite e o restante de nós.

Veja bem:

Em qualquer sociedade capitalista que se preza, a pobreza não pode ser regra, a riqueza precisa ser uma excepcionalidade e a classe média é a promessa que um país pode fazer ao seu cidadão.

Se essa promessa se quebra, então também se quebra todo o restante. Muito do cenário de extremismos ideológicos no Brasil hoje pode ser explicado pelo que está acontecendo com a nossa classe média.

Passou da hora da classe média parar de ser apenas impactada por políticas públicas e finalmente se tornar centro de debates efetivos.

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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