A confusão em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) revelou uma importante crise que vai muito além do direito tributário. Após o Executivo majorar o tributo por meio de decreto, o Congresso Nacional entendeu que a medida extrapolava a finalidade extrafiscal do imposto, decidindo pela anulação dos atos presidenciais.
A controvérsia, que parecia encerrada, foi restaurada quando o Governo Federal levou a questão para o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando violação à separação entre os Poderes. Embora o debate jurídico seja relevante, as suas consequências atingem em cheio a economia, gerando imprevisibilidade e desconfiança em um cenário que já pede cautela. Nesse contexto, ao menos três pontos merecem especial atenção.
Primeiro: o drible na finalidade extrafiscal
Assim como o Imposto de Importação, o de Exportação e o sobre Produtos Industrializados (IPI), o IOF integra um seleto grupo de tributos cujas alíquotas podem ser rapidamente alteradas pelo Executivo, em razão de autorização constitucional. Essa autorização, contudo, não é um cheque em branco; justifica-se unicamente por sua função regulatória de mercado, ou seja, sua finalidade extrafiscal. A agilidade é concedida para que o Governo possa intervir imediatamente a fim de corrigir distorções econômicas, como se viu necessário na pandemia, por exemplo. Utilizá-la para fins meramente arrecadatórios, como um tapa-furo para o desajuste das contas públicas, é subverter a lógica do sistema e driblar o princípio da legalidade, que atribui ao Legislativo a competência para definir a carga tributária. Se o STF admitir esse atalho, criará um precedente perigoso, que gera incerteza para quem paga impostos e para quem investe no país.
Segundo: o desbalanceamento dos freios e contrapesos
Por trás da disputa jurídica, há uma evidente dificuldade de diálogo Executivo e Legislativo. O resultado foi que ambos os Poderes atuaram no limite do que a Constituição permite, deixando a decisão final nas mãos do STF. Resta saber como a Corte vai se posicionar nessa disputa que, acima de tudo, é política. A tentativa de conciliação anunciada pelo STF é importante para fins de estabilidade institucional, mas ainda não resolveu os impasses. Embora a teoria dos “freios e contrapesos” seja um pilar do Estado de Direito, seu uso constante, fruto da incapacidade de negociação, torna-se prejudicial para a economia. Enquanto os Poderes disputam, o país perde dinheiro.
Terceiro: se passa o boi, passa a boiada
O aumento do IOF não é um ato isolado, mas sim parte de uma estratégia mais ampla para elevar a arrecadação. A Medida Provisória nº 1.303/2025, por exemplo, ainda em tramitação, propõe outras majorações tributárias e, de forma preocupante, endurece as regras para a compensação de créditos de PIS/COFINS. O Ministério da Fazenda estima um “ganho” de R$ 10 bilhões anuais apenas com esta última medida, que, na verdade, somente revela desespero para levantar dinheiro artificialmente, tendo em vista que a Receita Federal já fiscaliza qualquer compensação indevida. Além disso, o próximo passo já anunciado é o corte de benefícios fiscais que não estão garantidos pela Constituição, algo que pode impactar de modo significativo o agronegócio, a indústria e até mesmo rendimentos de pessoas físicas, conforme se pode constatar do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), de 2025.
Em vez de buscar um crescimento do PIB, que permitiria um aumento natural e sustentável na arrecadação, a rigidez do Governo Federal liga um sinal de alerta que vai muito além do IOF. A busca incessante por novas receitas, sem um correspondente ajuste nas contas públicas, revela que o aumento da carga tributária em múltiplas frentes é um mero reflexo do constante crescimento de despesas, estas, sim, o verdadeiro problema a ser urgentemente controlado.