Você é do tempo em que buscava vagas de emprego nos classificados do jornal da sua cidade? Mandava o currículo por e-mail, com um texto bem escrito demonstrando sua intenção e interesse ao invés de só anexá-lo?
Ou também costumava ir presencialmente às agências de emprego para aguardar a triagem e realizar a primeira entrevista, na esperança de ser indicado para as empresas contratantes?
Com o tempo, novas possibilidades surgiram como alternativas. Grupos de Orkut ou Facebook para buscar oportunidades de trabalho. O importantíssimo “Quem Indica” como recurso de atalho dentro de uma empresa.
Até chegar a algumas plataformas mais direcionadas para esse público, como a Catho, 99Jobs e as conhecidas atualmente, sendo a Gupy a mais famosa.
É aí que entramos nos dilemas atuais.
Por um lado, o uso de inteligência artificial acelera o processo e otimiza a triagem para que a pessoa certa seja contratada para o cargo certo. Mas por outro, a IA só faz isso, pois a contratante parametrizou uma série de características para buscar a pessoa mais adequada.
Embora isso não seja ilegal, isso exige uma atenção que vai além do volume de currículos vs o tempo de fechamento da vaga.
Essa situação alimenta uma desigualdade que poderá, indiretamente, estruturar um mercado de trabalho cada vez mais seletivo, desigual e injusto, mas que ninguém quer falar a respeito.
Até porque, esse treinamento de IA não nasce da terra. Ele é baseado em orientações enviesadas de diferentes seres humanos que estão por trás dessas tecnologias, direcionando como as probabilidades estatísticas da ferramenta deverão responder para cada interação de um novo candidato. Mesmo que eles nem percebam tal movimento.
E não há como desconsiderar o impacto na seleção de talentos. Mesmo que esses estejam cumprindo com os predicados fundamentais para a vaga, muitos acabam sendo desqualificados sem terem a oportunidade de demonstrar o que são capazes.
Os exemplos mais claros estão ligados ao ensino e à localização. Muitas vezes, pelo simples fato desses não terem passado pela instituição de ensino específica ou não morarem perto do escritório, esses profissionais são barrados na primeira etapa.
A ferramenta pode não discriminar o(a) candidato(a) pela cor ou pelo gênero, mas pode discriminar pelo seu CEP. E inegavelmente irá excluir pessoas que poderiam atender às expectativas do processo.
Uma das medidas da empresa foi criar hubs em cidades estratégicas para a sua atuação, permitindo que seja mais fácil para as pessoas respeitarem a política de presença física semanal.
O problema é que esses tais hubs, até agora, ficarão concentrados em grandes centros que já possuem talentos concentrados e salários competitivos — Campinas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Você, como alguém com um alto e comprovado talento na área, dificilmente conseguirá trabalhar no Nubank, caso continue morando em Blumenau, Curitiba ou João Pessoa, além de qualquer outra das mais de 5 mil cidades espalhadas pelo Brasil.
A não ser que você se mude para esses hubs, o que não parece ser nada justo ou coerente para um banco que sequer possui agência e se diz 100% digital.
Porém, avançar a primeira fase é apenas a primeira expectativa.
Uma vez que o(a) candidato(a) avance para as próximas etapas, a sua contratação será condicionada por uma série de outras entrevistas e testes que implicam ainda mais no custo emocional desses processos seletivos.
Ou seja, vencida a barreira dos viéses das IA nessas plataformas, ainda restarão inúmeras provas que deverão ser avaliadas para justificar a sua candidatura.
Esse modo concurseiro não só gera desgaste, mas também serve apenas como protocolo para atender ao compliance da organização que precisa ter um número mínimo de candidatos para aquela determinada vaga.
Ou abrem o processo apenas para mapear os talentos disponíveis, mesmo que não venha dali o candidato escolhido.
Aliás, não são raros os processos que já iniciam sabendo a pessoa que será aprovada. Mesmo assim, ainda submetem os candidatos a diferentes testes que miram muito mais uma resistência emocional do que testes técnicos ou comportamentais.
Ainda precisaremos lidar com tudo isso. Empresas que utilizam IA para triagem de CV estão preocupadas com o volume de documentos escritos utilizando o ChatGPT como ferramenta de otimização para a triagem.
Ao mesmo tempo, as IAs estão sendo acusadas de seleções enviesadas a partir de pré-definições nas quais eliminam bons talentos que não se adequam às metodologias de seleção.
Eficiência, personalização, redução de viés… Mas também riscos algorítmicos, privacidade e a perda do toque humano.
A questão não é se a IA é a vilã da história, e sim como podemos usá-la para potencializar o lado mais estratégico e humano do processo.
Para que, no fim, tudo não vire mais uma mensagem escrita por IA dizendo que você não deverá desistir e que o seu currículo continuará no banco de talentos da empresa.
Precisamos ser mais justos nos processos seletivos.