As mudanças sociais impostas pela pandemia, como a adesão das empresas ao home office integral, parecem ter surtido efeitos permanentes em alguns profissionais.
Com o avanço da vacinação, muitas companhias já estão traçando a volta ao escritório, mesmo que parcial, mas estão batendo de frente com o desejo de muitos em permanecer no trabalho remoto.
O movimento Work From Everywhere, ou trabalhe de qualquer lugar, em tradução livre, se transformou no ideal de muita gente.
Já vemos, por exemplo, pessoas que moravam em capitais, já que precisavam ficar próximas da empresa, mas foram morar no campo ou na praia, e de lá passaram a trabalhar. Ou seja, a rotina mudou para uma boa parcela das pessoas. E a ideia de voltar ao que era antes já não faz parte dos planos.
Segundo um levantamento feito pela Think Work, que atua para empoderar a comunidade de RH por meio de conteúdos e conexões, em parceria com a Appus, empresa de pesquisa e desenvolvimento de soluções que ajudam a aprimorar a gestão de pessoas, o retorno à velha rotina dos escritórios tornou-se, mais do que improvável, indesejável para a maioria dos profissionais que tiveram a chance de fazer home office.
O estudo aponta que, se a empresa optar pela volta ao escritório o tempo todo, 6% pedem demissão, 48% seguem a definição, mas procuram outro emprego e 46% aceitam.
Na Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, os números de pedidos para recolocação aumentaram.
E o motivo é o profissional não querer voltar ao modelo antigo de trabalho, como conta Rafael Souto, presidente da Produtive:
“Há executivos que não querem, sequer, um dia de trabalho presencial. É aquela pessoa que mudou para o interior, por exemplo, e prioriza outro estilo de atuação”.
Segundo ele, impor um modelo de retomada pode ter um preço alto às empresas, que é perder os melhores talentos:
“São profissionais que têm o poder de escolha”, diz. Hoje nas vagas divulgadas pela consultoria, já há a informação se a companhia tem ou não trabalho remoto. “Isso não era um fator de decisão antes”.
Um dos erros do RH é achar que todas as pessoas são iguais, e desenhar um modelo a partir disso. Decidir sobre a melhor estrutura de trabalho requer a abertura ao diálogo com todos os profissionais, dos diretores aos estagiários.
“Os profissionais, hoje, querem discutir seu ‘life design’ e isso determina um novo contrato psicológico de trabalho”, completa Rafael. Ele explica que o melhor caminho é ouvir as pessoas e fazer uma gestão o mais personalizada possível. “Será que faz sentido dizer para um funcionário que tem um trabalho mais intelectual que ele precisa ir todos os dias ao escritório?”, questiona. Rafael recomenda realizar pesquisas de clima, conversas entre equipes e líderes, e pulses. “Mas é importante que essas pesquisas sejam quantitativas e qualitativas para entender por que o grupo A prefere o home office e o B o trabalho presencial”, explica Rafael.
Nesse sentido, o RH tem que assumir o papel de desenhista organizacional, como reforça o empresário. Para isso, deve promover encontros e discussões permanentes para a adequação do modelo ideal daqui para frente: “vamos viver ciclos”.
Ele acredita que o mundo do trabalho pós-pandemia não terá um padrão, e as empresas vão precisar aprender a trabalhar nos três modelos: presencial, híbrido e home office. Isso joga um desafio a mais para as lideranças. É possível que numa mesma área, haja pessoas trabalhando das três maneiras.
“Caberá ao líder evitar o favoritismo, como achar que quem está no escritório é mais comprometido, e estabelecer uma comunicação sem ruídos e que atinja a todos, independentemente do modelo de trabalho, para não privilegiar quem está na empresa”, diz. O caminho é investir em canais digitais.
Ainda há muito a se discutir sobre esse assunto e, certamente, as empresas vão aprender testando e ouvindo seu time. Mas uma coisa é certa: a imposição, seja ela qual for, parece o pior caminho.