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Por que o bem-estar de cooperados e colaboradores deve ser prioridade para uma cooperativa

Foto: Gabriel Richartz

No mundo das corporações, sejam cooperativas ou não, há muito preparo e capacitação para manter a sustentação da estrutura. Uma grande empresa é uma complexa engrenagem de mecanismos que precisam estar todos girando.

Bem, isso tudo é verdade, mas felizmente chegamos a uma época em que fica cada vez mais claro qual é a força motriz por trás das organizações: seres humanos, cada um com suas complexidades. E isso não pode mais ser visto como um detalhe. 

O cooperativismo, enquanto doutrina pautada em valores humanos, tem um compromisso ético com as pessoas que acolhe em seu sistema. Uma cooperativa nunca pode ser simplesmente uma máquina de resultados.

Partindo desse princípio, há movimentos interessantes que reinauguram o relacionamento entre instituições e indivíduos, trazendo para a pauta questões mais subjetivas de cooperados e colaboradores. Um relacionamento que, em última instância, será sempre de humanos para humanos. 

A Coamo, cooperativa agrícola com sede em Campo Mourão (PR), se viu desafiada a acolher de forma mais efetiva o viés emocional dos seus colaboradores quando começou a pandemia, em março de 2020.

Um comitê especial deu conta das providências práticas que precisavam ser tomadas, mudanças de escala na área industrial, boa parte da equipe em home office, trabalhadores em grupo de risco afastados das funções. Mas havia outra dimensão a ser acessada: como estavam se sentindo estes colaboradores? 

Não era um desafio pequeno: a Coamo é maior cooperativa singular do país de acordo com o ranking de 2021 da revista Exame, e também considerada a maior do ramo agro da América Latina. Congrega cerca de 30 mil cooperados e mais de 8 mil colaboradores.

Para criar alcance em tempos de distanciamento, investiu na produção de vídeos com orientações do time de psicólogos e do médico do trabalho da cooperativa, abordando temas que iam desde o gerenciamento de emoções a formas de deixar mais leve o intenso convívio em família que a pandemia impunha. Os vídeos eram principalmente compartilhados por WhatsApp pelos gestores das áreas.  

Os colaboradores que precisaram ficar em casa afastados das funções receberam uma atenção mais focada. A maioria eram trabalhadores das plantas industriais que pertenciam ao grupo de risco da Covid-19, com comorbidades ou de faixa etária mais alta. Apesar do desejo de trabalhar, alguns precisaram ficar até um ano longe das fábricas.

Os psicólogos da equipe ligaram algumas vezes a cada um deles para conversas terapêuticas, perguntando no que poderiam ajudar, e muitas vezes estendendo o diálogo às demais pessoas da família. 

“Essa conversa foi muito eficaz, as pessoas se emocionaram com isso. São colaboradores que não têm acesso ou até mesmo perfil para buscar atendimento psicológico, mas agradeciam muito pelo contato. Queriam conversar, saber quando receberiam uma nova ligação. Nós sempre partimos do princípio de que não é possível separar o emocional das pessoas. Antes de ser um colaborador, todo mundo é um ser humano”, relata o gerente de gestão de pessoas da Coamo, Antonio Cesar Marini.  

Há uma iniciativa desenvolvida pelo Sescoop, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo, que incentiva um olhar mais amplo para as pessoas que formam uma cooperativa.

É o programa Felicidade Interna do Cooperativismo (FIC), que mensura aspectos do bem-estar de cooperados e colaboradores e propõe ações práticas para melhorar os pontos de atenção. 

O projeto é inspirado no conceito que surgiu no Butão, país asiático ao leste da cordilheira do Himalaia, em contrapartida ao cálculo do Produto Interno Bruto (PIB).

O reino do Butão criou o índice Felicidade Interna Bruta (FIB), partindo do princípio de que mensurar apenas os ganhos materiais de um povo não é suficiente para saber se as pessoas estão de fato vivendo bem. Essa lógica funciona para uma nação e também no microuniverso de uma cooperativa.  

O programa desenvolvido pelo Sescoop não é de adesão obrigatória, mas é sugerido para as cooperativas que desejam fortalecer o eixo qualidade de vida.

A Pluricoop, cooperativa de trabalho no Paraná especializada em gestão e treinamento, é uma das entidades credenciadas pelo serviço nacional para aplicar o programa nas organizações.

A presidente da Pluricoop, Cleide Bulla, explica que uma das primeiras ações é mensurar, através de um questionário confidencial com 90 questões, a relação de cada colaborador com nove dimensões da sua vida. Estas variáveis abordadas pelo FIC são as mesmas usadas pelo FIB do Butão: 

  • Bem-estar psicológico 
  • Padrão de vida 
  • Educação 
  • Saúde 
  • Meio ambiente 
  • Cultura 
  • Governança 
  • Uso do tempo 
  • Vitalidade comunitária 

A partir do mapeamento a cooperativa elege normalmente duas dimensões de trabalho. A equipe externa, que aplica o programa, cria então grupos de conversa com os colaboradores e são estabelecidos planos de ação voltados ao desenvolvimento das áreas que precisam de mais atenção. Um ano depois o mesmo questionário é refeito e, segundo Cleide, o resultado é sempre positivo.  

“As pessoas se sentem ouvidas, isso é muito importante. Essa abordagem abre caminhos e ainda é algo bastante inovador olhar para a saúde emocional dos colaboradores. Mas é bom para todo mundo que um colaborador esteja bem, que tenha ferramentas para isso. Você não pode postergar nem terceirizar felicidade. Não dá para esperar algo acontecer, você tem que ser feliz no caminho”.

Deixemos no século passado a rígida ideia de que felicidade e saúde emocional são questões à parte que ficam esperando o colaborador do lado de fora do trabalho depois das 18h. É saudável deixar mais permeável a divisão entre a esfera profissional e o bem-estar do indivíduo.

E se a cooperativa puder fornecer ferramentas para que todo mundo cresça em inteligência emocional, ela estará cumprindo um de seus mais nobres princípios.  

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CEO de cooperativa de crédito, autor de livros sobre cooperativismo e Influenciador Coop do Sistema OCB.

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