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3 aprendizados conversando sobre política no Whatsapp

Nos últimos dias, me peguei discutindo dentro de um grupo do Whatsapp de velhos colegas de escola.

É aquele típico grupo criado de ex-colegas para se aproximar, marcar algum churrasco, tirar um sarro pontual, falar sobre o seu momento de vida atual, sobre carreira, filhos e filhas, entre outras coisas.

Como não poderia ser diferente, um assunto que vem à tona em grupos assim é política. E falar sobre política em grupo de Whatsapp é desgastante.

Como é um assunto que me interessa, resolvi contribuir de alguma forma, indo na linha daquilo que estava sendo compartilhado até o momento: memes engraçados, insinuações superficiais sobre um político ou outro, mal uso de conceitos ideológicos e indiretas sobre preferências partidárias dos colegas.

Percebi que indo dessa forma eu consegui a atenção de alguns deles pois eu estava exatamente falando a língua dos caras.

Apesar das brincadeiras, em um determinado momento eu percebi que, quanto mais eu rebatesse seus argumentos, menos eu ganhava o meu espaço que tinha conquistado.

E isso levou a conversa, em alguns momentos, se tornar pessoal, o que não fazia mais sentido para mim.

No final, até chegamos a um acordo. O vai e vem dos argumentos nos fez perceber que estávamos, o tempo todo, buscando a mesma coisa. E quando eu me retirei do debate, comecei a pensar naquilo tudo e vi que tinha aprendido algumas coisas.

E é sobre isso que eu quero falar no meu episódio de hoje.

1. SOBRE VIÉS CONFIRMATÓRIO

A primeira coisa que podemos concluir aqui é o fator emocional que despejamos nesses tipos de conversa. E apesar de sermos Homo Sapiens, reconhecidos pela nossa racionalidade, é importante entender o quanto predomina nossas emoções mais do que a razão em muito do nosso dia a dia.

E isso me traz o conceito tão explorado na última década que é o Viés Confirmatório. Muitas das discussões sobre política nos últimos anos demonstravam claramente a influência de nossas crenças, sempre nos fazendo buscar certos argumentos, histórias e personagens que pudessem confirmá-los.

Como eu já falei em episódios anteriores, a identidade deve estar associada a valores, não a crenças. Valores são princípios fundamentais da vida, podem ser excelência e generosidade, liberdade e justiça, segurança e integridade.

Basear sua identidade nesse tipo de princípio permite que você permaneça aberto às melhores maneiras de aprimorá-los.

Dito isso, é preciso pontuar uma questão aqui. O cérebro é um conjunto de vários órgãos que funcionam interligados. Em especial, há dois sistemas que trabalham juntos o tempo todo, mas que são completamente diferentes: o inconsciente e o consciente.

O sistema inconsciente é rápido, automático, impulsivo, intuitivo e emocional. Já o sistema consciente é devagar, racional, lógico, reflexivo e estruturado. Um exemplo prático seria você imaginar que está assistindo a um filme de terror, quando de repente ouve um barulho na cozinha.

O sistema inconsciente avisa que deve ser um ladrão. Em seguida, o consciente analisa e informa: é apenas um barulho.

Nosso desafio é prestar atenção à atuação desses dois sistemas durante o nosso dia a dia. Não é fácil. Estudos da neurociência apontam que cerca de 10% da nossa tomada de decisão está no nível consciente; os outros 90% estão no inconsciente.

Por essas relações entre os dois sistemas e até por esse número tão expressivo que citei agora, nos mostram o quão difícil é detectarmos nossos vieses inconscientes.

E por isso que o viés confirmatório é tão visto em discussões assim. Ele basicamente faz com que o nosso inconsciente busque favorecer as informações que confirmam o que acreditamos.

Ou seja, enxergamos apenas o que queremos ver e ignoramos o que não coincide com as nossas crenças.

É por isso que quando uma pessoa apresenta uma evidência que não coincide com as nossas crenças, simplesmente ignoramos. Chega a gerar uma dissonância cognitiva, um verdadeiro desconforto. Afinal, estão questionando a minha construção de identidade, você pensa.

Nesse sentido, o recomendado é buscar fazer um esforço para olhar aquele lado mais racional do nosso cérebro, aquele que traz mais a percepção consciente das coisas quando argumentamos com outras pessoas.

Somente assim podemos descontruir esse padrão de pensamento.

E assim eu chego no meu outro aprendizado.

2. A DIFICULDADE DE VOCÊ CONVERSAR COM ALGUÉM QUE ACHA QUE SABE DE TUDO

Uma das coisas que mais me incomoda é conhecimento fingido, quando as pessoas agem como se soubessem coisas que não sabem. Geralmente, quanto mais superior a pessoa acha que é sua sabedoria, mais ela se subestima, e menos interesse tem em aprender e se atualizar.

Se você acha que sabe mais sobre história e ciência do que a maioria das pessoas, é provável que saiba menos do que imagina.

Pense aí, o quanto você acha que sabe sobre cada um desses assuntos:

  1. Por que o inglês se tornou o idioma oficial dos Estados Unidos;
  2. Por que mulheres foram queimadas em fogueiras em Salem;
  3. Qual era o emprego do Walt Disney antes de ele desenhar o Mickey Mouse;
  4. Por que comer doces afeta o comportamento das crianças

Se você achou que sabia alguma coisa desses assuntos que eu acabei de listar, melhor você pensar novamente. Os Estados Unidos não têm idioma oficial; mulheres suspeitas de bruxaria em Salem foram enforcadas, não queimadas; Walt Disney não desenhou o Mickey Mouse (ele foi obra de um animador chamado Ub Iwerks); e o efeito médio do açúcar sobre o comportamento das crianças é nulo.

O mais perigoso disso tudo é você simplesmente negar os fatos e impedir que isso te faça repensar sobre o que você acredita ser verdadeiro.

Quando você tem certeza de que sabe alguma coisa, não tem motivos para procurar lacunas ou falhas em seu conhecimento, que dirá preenchê-las ou corrigi-las.

Sim, parte disso tem relação com a fragilidade do ego. Somos impulsionados a negar nossas fraquezas quando queremos nos enxergar de forma positiva ou vender uma imagem maravilhosa para os outros.

Inclusive, isso me faz lembrar uma citação interessante que conheci esses dias de um filósofo alemão chamado Georg Friederich Hegel que traz o seguinte: nós desejamos o desejo do outro.

E essa frase vale em dois sentidos: nós desejamos capturar o desejo do outro, como uma dinâmica de capturar o reconhecimento do outro.

Eu desejo que você me deseje também, basicamente isso.

Inclusive, tem uma ligação com a inveja e seu significado. Inveja, na origem da palavra em latim “invidere”, traz o significado: não ver.

Invidere, portanto, significa não ver as próprias qualidades, pois está prestando mais atenção nos resultados alheios do que em seus atributos pessoais. O outro pode servir como referência, modelo para ser seguido, e isto é saudável, mas desejar viver a vida do outro é desprezar a própria vida.

Vendo de outra forma, a citação de Hegel traz outro sentido: nós desejamos de acordo com o outro deseja, ou seja, temos um efeito de contágio aqui.

Quanto mais a gente projeta as opiniões de outras pessoas nas nossas próprias opiniões, estamos reforçando o que acreditamos e endossando ainda mais o nosso subconsciente.

Isso nos faz evitar o pensamento mais racional e crítico daquele efeito de massa e simplesmente seguir o fluxo em manada. É o que podemos dizer sobre os efeitos das bolhas sociais.

Aliás, falei sobre essa relação entre as bolhas em que vivemos como efeitos da polarização da internet no meu episódio nº 18. Fica aí meu convite para você escutardepois:

E por fim, vejo um último aprendizado com esse caso do Whatsapp, a ciência do acordo.

3. A CIÊNCIA DO ACORDO

Uma coisa que eu vi no livro Pense de Novo, do Adam Grant, foi a arte de convencer outras pessoas a repensar opiniões. Quando tentamos persuadir alguém, em geral, nos posicionamos de modo antagônico. Em vez de tentar abrir mentes, acabamos por fechá-las de vez ou só geramos antipatia.

As pessoas ficam na defensiva, criando barreiras; atacam, pregando a favor de sua perspectiva e argumentando contra a nossa; ou caem para o modo isentão, dizendo o que queremos ouvir sem jamais mudar o que pensam de verdade.

A ciência do acordo diz que um bom debate não é uma batalha. Nem um cabo de guerra, em que você consegue trazer o oponente para o seu lado se puxar a corda com força. Está mais para uma dança sem coreografia, negociada com um parceiro que optou por passos diferentes.

Se você insistir demais para guiar, a outra pessoa vai desistir. Se conseguir adaptar seus movimentos aos dela e convencê-la a fazer o mesmo, será mais fácil entrarem no ritmo.

No fim, uma coisa é certa: chamar a atenção do debate para um denominador comum, achando aquilo que é favorável aos dois lados e usar isso como forma de alinhamento, fará você fugir da espiral de ataque-defesa da conversa.

E foi isso que aconteceu.

Quando eu e o meu colega identificamos que buscamos as mesmas coisas: fortalecimento dos nossos ideias, preocupação com o futuro das nossas famílias, preocupação com o que é ensinado e como é ensinado nas escolas e entre outras coisas. Bingo!

Percebemos que sempre estivemos em busca das mesmas coisas, porém com opiniões diferentes.

Uma vez que esse entendimento foi possível, toda e qualquer opinião se mostrará mais aceitável e compreendida, mesmo que não seja de acordo com o que acreditamos.

Por fim, acredito que toda forma de diálogo é a maior demonstração de respeito que você pode ter com alguém. Sendo o diálogo um ato de duas vias, no qual você ouve e é ouvido, todo o resultado tende a ser mais rico.

Se você me perguntar: é fácil lidar com pessoas mais emocionalmente envolvidas com seus argumentos? Convictas e cheias de autoestima sobre o que acreditam? Não é nem um pouco fácil justamente pelo viés confirmatório que falei há pouco.

O que eu vejo é que temos alternativas. Ninguém precisa ganhar ninguém pelo tom de voz, pelo domínio ou pelo desrespeito. Se a conversa cruzar esses limites, então não será mais uma questão de opinião ou diálogo.

Será apenas uma demonstração de pura alienação.

Tem 5 Minutos? Ouça outros episódios clicando aqui.

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Líder de gestão de mudança e cultura na Central Ailos.

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